terça-feira, 21 de agosto de 2012

À Conversa Com... Emanuel Matos

E quem é que não conhece o Ema? Só pessoal que tem andado a dormir debaixo de um calhau nos últimos anos, de certeza. O Ema, para além de ser um granda buddy e meu vizinho aqui em Londres, é o patrão da editora mais sumarenta que aí anda: a Juicy Records. Acreditem quando digo que o esforço que ele põe na editora merece todo o apoio que lhe possam dar, o miúdo dá o litro! Sempre que estamos juntos conversamos quilómetros sobre isto e aquilo, de forma que achei que seria boa ideia dar a conhecer um pouco do backstage da Juicy, passando por outros detalhes não tão sumarentos, mas igualmente excitantes!


Ema, creio que nos dias que correm poucas pessoas te conheçam como o "Ema de Words of Hate", no entanto acho que há aí uma história interessante por descobrir. Do que me lembro, os Words of Hate não eram bem como as outras bandas da Margem Sul da altura. Fala um pouco sobre a origem e percurso da banda, para os mais curiosos.

Eish, Words of Hate…o que tu foste pegar. Pá a banda começou como qualquer banda de putos, cena de amigos, letras que eu escrevia num caderno ou que todos contribuíamos nos ensaios (3 vocalistas é complicado ahah)…penso que tinha 14 ou 15 anos quando dei o meu primeiro concerto com WOH, nem sabia bem o que estava a fazer lol. A nossa onda inicial era meio hardcore new school, acho eu, mas depois entrou o Gil, que era um gajo mais do metal que fomos desencantar no mIRC, que tocava riffs de Slayer para aquecer os dedos, e começámos a entrar numa onda mais pesadona e metalada…não tenho bem noção mas acho que durámos uns 2 anos, gravámos 2 demos, as duas em take directo, portanto cheias de pregos, demos uns bons 10 ou 15 concertos, uma cover de Terror (“Life & Death”, ainda hoje uma das letras que faz mais sentido para mim), e depois acabámos por deixar a coisa morrer porque o Pissarra decidiu sair da banda e era complicado encontrar bateristas na MS. Ainda hoje alguns dos membros da banda são dos meus melhores amigos, outros é uma festa quando os vejo, por isso foram sem dúvida bons tempos.

Ya, lembro-me de ver um concerto vosso na Casa Amarela e vibrei bué com essa cover de Terror. Creio que essa tenha sido a tua única banda, certo? Qual é que foi o teu percurso entre o fim da banda e o começo da Juicy? Os estudos tiveram alguma influência nisso?

Nah ainda tive mais uma banda, Bulletproof! Tu chegaste a meter-nos a tocar com Justice no último concerto que els deram cá pah! Essa sim já foi uma banda com pés e cabeça musicalmente.
Curiosamente foi o Pissarra, o ex-baterista de WOH que me chamou para um ensaio, portanto foi a minha segunda banda com ele…depois tínhamos os irmãos Matos, o que curiosamente fazia 3 gajos com sobrenome Matos na banda, e o Paulinho da Fruta, segundo vocalista que acabou por sair a meio. Ainda entrou o Kolde, que hoje toca em Steal Your Crown…essa banda foi bué fixe, liricamente consegui deixar muito de mim nesse projecto, e musicalmente a banda estava no ponto.
Bulletproof durou enquanto eu estudava em Setúbal, portanto os meus anos de ensino superior…os estudos afectavam-me na carteira, porque estudar mesmo nunca foi algo que me preenchesse o tempo. Andava sempre sem guita, muitas vezes não pagava os ensaios porque só tinha guito para o comboio até Almada ou Corroios…depois a banda terminou, acalmei, andei a fazer umas brincadeiras com a malta de Never Fail (aka Nail Fail quando eu fazia macacadas em palco), e finalmente foi já em 2010, quando estava a tirar outro curso na Restart, que acabei por fundar a Juicy, justamente para editar o split de Never Fail com Pussy Hole Treatment.

Ahah, sabes que memória para isso já não dá. Mas sim, claro que me lembro. Não acredito é que o propósito da editora tenha sido só lançar esse disco? Desde o início que acho que a Juicy é um projecto interessante e com muito por onde se lhe pegue. De onde é que surgiu a tua inspiração para começar a editora e o conceito por trás da imagem (de marca) que adopta desde o começo? Claramente não foi uma coisa feita às três pancadas.

A fonte da inspiração em si acho que surgiu da coisa mais óbvia para alguém que cresce dentro do punk hardcore: o do it yourself. Queria ver uma editora coerente, com ideias novas, que fizesse coisas dinâmicas, além do editar discos e promover concertos… como achei que não havia disso em Portugal, fiz eu.
Tirei ideias da Deathwish principalmente, que para mim ainda hoje é das coisas mais bem feitas no underground norte-americano, tanto em termos estéticos como na forma como promove os seus discos e como mantém uma certa ética por detrás do que é feito. A cena da imagem para mim sempre foi fulcral, porque já de há muitos anos leio coisas sobre design gráfico e sei como os conceitos de branding afectam a percepção que as pessoas têm da informação que recebem. Quis distanciar-me dos estereótipos gráficos que já existem no hardcore, porque nunca quis que a editora fosse só sobre hardcore, e por isso acabei por dar com o “Juicy” à pala do Notorious BIG, e criar o conceito e o grafismo minimalista todo a partir daí.

A Juicy foi pensada como um projecto de comunidade, de colaborar com pessoas para fazer coisas acontecer. Desde o início que só saíram discos porque as próprias bandas ou outras editoras entraram com guita, só começaram a haver mais vídeos porque o Verduras se empenhou na Juicy TV, só houve distro porque o PZ, e mais tarde o Nets e agora o Gaiola têm ajudado nessa parte. No fundo, depois de as ideias surgirem penso em pessoas ou elas vêm até mim e experimentamos e fazemos acontecer. Acho que essa é uma das grandes lições que tirei do hardcore e que tento aplicar na minha vida e na Juicy.


Como é que foi a aceitação ao início? Um dos problemas que encontro no público português é haver alguma dificuldade em abraçar ideias novas ou diferentes. Isto é algo que noto desde que comecei a sair de Portugal para viajar ou ver concertos, em 2002. O "lá fora" parece estar sempre um bocado à frente e o tuga parece ficar à espera dois ou três anos até se actualizar. Concordas com isto? Ou dirias que a tua experiência com a Juicy foi diferente?

Sim, Portugal está sempre atrasado na cultura… na música uns 2 ou 3 anos, em outras áreas até mais. Mas no hardcore, e até no underground em geral, penso que as pessoas estão mais atentas ao que se passa lá fora, e por isso se calhar absorveram as ideias da Juicy com relativa boa aceitação. Quer dizer, se me falares em vendas, aí não posso dizer que tenhamos o maior sucesso, o único item que está esgotado é o livro do Nuno (andamos a falar numa 2ª edição há meses e meses). Mas no resto das iniciativas tivemos sucesso: a distro, que desde sempre foi suposto ser uma cena curada, com selecção de discos e editoras que eram relevantes, chegou a esgotar discos em 30 minutos depois de eu anunciar online que os tinha; a Juicy TV, emulando o que o mano da hate5six faz nos EUA, tem vídeos com milhares de plays, incluindo bandas portuguesas. Antes da Juicy TV tu não vias vídeos com “pós-produção” de concertos de hardcore, havia pessoal que filmava tudo ou uma música ou outra e metia no YouTube, mas eu notei claramente que depois de começarmos com esse projecto outras pessoas começaram a fazer isso, e outras editoras perceberam que o vídeo era um meio de promoção muito importante - especialmente na era das redes sociais.

O primeiro podcast, que saiu no dia de Natal de 2011, foi a cena mais partilhada que tivemos. Eu acordei no dia seguinte e haviam pessoas que eu não conhecia de lado nenhum a partilhar o link, e tivemos 300 plays ao fim de uma semana ou lá o que foi. Eu pensava que só os meus amigos é que iam ouvir aquilo!
No fundo acho que as pessoas perceberam a cena de na Juicy estarmos a importar ideias e coisas que já se faziam lá fora, dando-lhe o nosso toque pessoal, e sempre tentando manter uma certa qualidade na medida do possível. Acho que ainda temos muita evolução e melhoramentos a fazer, e ainda há muita gente que se calhar fez like na página do facebook mas nem sequer percebeu quais são as ideias por detrás, mas por isso mesmo é que nunca paro de tentar novas ideias e friso sempre que o projecto é aberto à colaboração de qualquer pessoa.

Não vou mentir, esses motivos foram exactamente os que me despertaram interesse na Juicy - para além de aparentar ser uma editora com pés e cabeça. Quando se opta pela rota DIY, a estrada acaba por sem sempre mais longa, mas também o é a satisfação no fim. De todos os lançamentos até agora, qual foi aquele em que te deu mais gozo concretizar e porquê?

Hmm, essa é uma pergunta difícil. É como perguntares ao pai qual é o filho favorito, cada um foi especial e deu-me gozo por motivos diferentes. Deixa lá ver, o primeiro é sempre o primeiro. O split de Never Fail e PxHxT foi eu a descobrir como se fazia tudo, acabei por fazer o design do artwork excepto a ilustração da capa (que foi desenhada por um senhor turco, professor de animação e mega fã de basketball), e tive uma aventura engraçada com o PZ para conseguirmos ir buscar as capas. Depois em termos de qualidade nos detalhes e acabamento, as tapes surpreenderam-me bué, e a colaboração com o Gaiola (Best.Of.Me Records) foi super fixe. O disco dos Resposta Simples foi o que me deu mais prazer em termos de colaboração com a banda, eles foram super empenhados, arranjaram os fundos quase todos para a press sozinhos e organizaram concerto de apresentação e tudo mais - tomara todas as bandas serem assim!

Mas ok, acho que sendo bem honesto o que mais me orgulho é do livro do Nuno. Não só porque foi um parto difícil (mais de 1 ano desde que lhe fiz o "pitch" da ideia num concerto em Lisboa, fora meses e meses de revisões e de paginação), onde tive que aprender como fazer um livro e como o publicar, mas principalmente pelo resultado final. Nem foi a cena de esgotar ou não. Foi mesmo os bons momentos que se proporcionara...ter ido de propósito a Portugal fazer a apresentação, no dia dos meus anos, com o Nuno a dormir em minha casa, a conhecer a minha mãe e a apanhar bezanas com os meus amigos e pessoal a vir de Penafiel de propósito, fora o resto da malta amiga que apareceu... foi especial. Foi daquelas cenas que criam laços importantes entre as pessoas. Nesse aspecto essa edição ficou marcada por um carinho especial.
E nem falemos depois da apresentação no Norte, onde ele teve umas 100 pessoas e uma cena super bem organizada, e depois nem tinha livros para vender, ahah!


E essa segunda edição vai acontecer? Como é que foi a transição do HQ da Juicy da Torre da Marinha para Londres? Achas que isso afectou um bocado o futuro da editora ou, por outro lado, abriu novas portas? Tinhas a editora há quanto quando te decidiste mudar?

A segunda edição tem que acontecer porque houve montes de gente que ficou sem livro, familiares do Nuno inclusive, e um gajo não vai fazer um repress só por fazer, quando for para sair a segunda press é feita é com capa diferente e revisões de texto e tudo mais. Por isso é que está a levar um ano novamente.
Quanto à transição, pah foi complicado… eu comecei a Juicy em Março de 2010, em Novembro mudei-me para cá, e acabei por lançar dois discos no período do Natal desse ano, o que ainda foi mais caótico. Ainda fui lá em Dezembro para acertar coisas só da Juicy mas a mudança acabou por afectar bastante, porque passou a ser tudo à distância: mais emails, comunicação mais demorada, detalhes que escaparam porque nem cheguei a ver certos discos antes de eles serem lançados. Tudo a um ritmo dez vezes mais lento. Por isso é que em 2011 só saíram duas cenas, e este ano se saírem duas vai ser porque os emails finalmente foram respondidos! 

Abrir portas nem por isso, tentei fazer alguns contactos e fui bem recebido por algumas pessoas (o Tom e pessoal da Rucktion foi super boa onda), mas outras cagaram mesmo e nem se deram ao trabalho de responder a meia dúzia de perguntas. Acho que a onda aqui é mais do cada um faz o seu projecto muito isolado e só se estiveres na mesma “cena” é que comunicas com os teus “pares”. O que é estúpido, porque para alguém que vem de fora, ou que está a começar a ir a concertos, não dá para comunicares com os mais “experientes” com tanta facilidade, e depois o que acontece é os putos irem para Internet em vez de haver aquela humildade de aprender com quem já faz há mais tempo. Falta o senso de comunidade, fora algum pessoal mais da velha guarda de cá que já se conhecem aos anos. Definitivamente a cena hardcore em Portugal está bem melhor nesse aspecto, talvez por sermos um país pequeno. No fundo o HQ ainda continua dividido, a distro e todos os nossos discos continuam a ser enviados de Portugal, por isso até certo ponto posso sempre gozar e dizer que agora somos uma multi-nacional, ahah. Mas a longo prazo quero a Juicy mais activa no UK, daí que desde há uns meses para cá a comunicação via site e redes sociais é maioritariamente em inglês. Não é esconder as raízes tugas da editora das quais me orgulho bastante, é mesmo porque um gajo vai ao Vimeo ver as estatísticas dos vídeos e 50% dos plays são americanos e de outras zonas do mundo, por isso tem que se direccionar a comunicação para toda a gente que possa vir a querer acompanhar o que fazemos.

Quais são então os planos para o futuro da Juicy? Já deu para perceber (com as colaborações, o podcast, etc) que tens interesse em explorar várias áreas que não o habitual "disco em formato X ou Y". Falando do podcast, por favor elucida-me em relação à proveniência dessa tua magnífica voz de locutor - decerto que não sou o único que está curioso! 

Os planos é continuar a fazer mais e melhor. Discos novos em vinil vai ser complicado até ao final do ano porque financeiramente não tenho meios para mandar nada cá para fora já, mas em 2013 quero tentar lançar pelo menos um LP, de uma banda em que acredite mesmo, tipo Step Back que estão a gravar, e a segunda edição do livro também vai ter que sair. A ideia é também manter as cenas mais dinâmicas e online que temos e experimentar coisas novas. O podcast e agora as mixtapes que estão a começar são 2 coisas para manter, assim com a newsletter que vai passar cada vez mais ao formato mini-zine, só versão online, e vai ser cada vez mais internacional. Aliás, em termos de internacionalidade quero ver se pelo menos consigo fazer mais coisas aqui no UK, contactos com bandas e vídeos de concertos, e em Portugal meter mais discos na distro quando tiver guito (se alguém quiser movimentar a cena comigo que avise; o PZ em tempos entrou na cena 50/50 e penso que não ficou a perder guito, hehe).

Podcast e voz de locutor, pah não sei só tu é que me vieste com essa, ahah! Pah sinceramente o podcast dá um trabalhão porque eu não gravo tudo de uma vez e faço inúmeros takes até a coisa ficar como eu quero, é o mal de ser perfeccionista. Acaba por parecer uma coisa bué smooth mas é porque regravo até ficar assim, e faço a mistura de tudo, meto música que ando a ouvir na altura como background quando estou a falar, tudo em várias pistas - à pala disso é que temos o 3º episódio para sair há meses, o Joel escolheu músicas e escreveu sobre elas e tudo bonito, e depois eu ando sem tempo para montar o aparato da gravação e passar umas boas horas a falar para o micro (sem muito barulho da rua, portanto convém ser à noite). Ou seja as coisas dão trabalho, basicamente, mas também dão um gosto enorme claro, senão nem ao meu ritmo as fazia.

Boa sorte com isso e venham daí mais ideias frescas e sumarentas. Para terminar, queria só saber se concordas comigo quando digo que a Da Mystery Of Chessboxin' é a melhor malha do 36 Chambers?

Essa pergunta é complicada. A parte do Ghost nessa música é a minha favorita do disco, a agressividade com que ele entra na música faz esquecer os versos dos outros todos, mas acho que a minha favorita como música/letra será sempre a C.R.E.A.M. O que concordo de certeza é que o 36 Chambers é o melhor disco de hip-hop de sempre, em empate técnico com o Illmatic e o Ready to Die.

Valeu Ema! Para os interessados, fica aqui o link para o site da Juicy: http://juicyrecs.com. Apoiem produto nacional porque "o que é Nacional é bom!"

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