sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Entrevista: Iron To Gold

Com tanta banda norte-americana a inundar o mercado musical, muitas vezes passamos ao lado do que é feito no velho continente. Ouvi falar nos Iron To Gold algures no fórum da Bridge 9 (ou terá sido no Facebook?), graças ao Adam da The Essence. Para além da banda me ter chamado logo à atenção, abriu-me um bocadinho os olhos sobre o que se está a passar na Polónia, onde bandas, editoras, zines e miúdos parecem estar a criar uma das melhores cenas actuais. Fiz algumas questões ao Patryk, o vocalista, sobre as origens da banda, o feedback ao mais recente registo The Power of One, a cena polaca e os planos para o futuro. Check it out!

Straight Edge Fest, Varsóvia © wildow.blogspot.com
Antes de mais, gostava de saber como é que vocês se juntaram, e qual foi a ideia por trás da formação dos Iron To Gold. Sei que alguns de vocês já tinham tocado em outras bandas anteriormente, mas pouco mais informação consegui encontrar pelo que estou mesmo às escuras.

Sim, todos nós pertencíamos a outras bandas, mas esta banda aconteceu de forma bastante engraçada - o Daniel (guitarrista) gravou algumas faixas com a intenção de as lançar online e tocar um concerto (supostamente seria uma banda de um só concerto ou algo do género), ele completou a formação e pediu-me para entrar. Eu gravei a voz nas faixas que estavam penduradas há algum tempo e alguns dias depois pusémos as músicas online, e tocámos o dito concerto. Avançando para 2012 - estamos juntos já faz perto de dois anos, lançámos uma demo em cassete, dois 7"s e tocámos uns dez concertos. Afinal, tocar juntos tornou-se numa grande experiência. Funcionou de forma natural e estamos a adorar a viagem até agora.

Quais são as maiores influências para vocês como banda? Eu sei que às vezes é complicado de o dizer, e ainda mais estarem-se a comparar a alguém, mas como descreveriam o vosso som alguém que não vos conhece?

Por acaso, desta vez, até é bastante fácil. A nossa maior influência são os Judge. E Cro-Mags. Hardcore pesado e intenso.

Pelo que me apercebi o vosso novo disco tem "voado das prateleiras". As cópias do record release desapareceram quase instantâneamente, e grande parte do total dos discos feitos já foi vendida em menos de um mês. Se é que discos vendidos o indicam de alguma forma (e é bom que o façam), diria que estamos na presença de um disco bem bom. Qual tem sido a reacção dos míudos polacos e estrangeiros ao The Power Of One?

Deixa-me contar-te uma história porreira por trás deste disco. Nós tínhamos uma faixa já gravada, que supostamente devia ter sido lançada noutra sítio, mas as coisas não resultaram e, pouco depois do anterior ep, Soultraveler, ter ficado esgotado no Inverno de 2011 pensámos "hey, porque é que não gravamos mais três músicas e lançamos outro 7" este ano?". Eu parti durante pouco mais de um mês em férias, e quando voltei as faixas já estavam prontas e metade delas já produzidas. Para além disso, fomos convidados para tocar no Straight Edge Fest, aqui em Varsóvia, a meio de Julho. Era a altura perfeita para lançar o 7", ainda que o calendário das gravações/pressing fosse apertado. Nós sabemos como é que as coisas funcionam na cena hardcore, ou como às vezes facilmente acabam por não funcionar, por isso ficámos de boca fechada durante meses para não estragar o projecto.

Nós estávamos certos que a rapaziada das editoras ia dar o seu melhor para tudo dar certo (desde o início que estivémos a trabalhar com a Last Warning Records e a Elephant Skin Records). Recebemos os discos da fábrica dois dias antes do Straight Edge Fest. Esse concerto foi provavelmente o melhor em que já tocámos e os miúdos estavam malucos! Foi um dia espectacular.

Antes do concerto, tirámos uma foto com uma crew enorme à porta da sala, praí quarenta pessoas, sem lhes dizer para que era a foto, para não estragar a surpresa. A malta das editoras ia fazer capas especiais para a festa de lançamento do disco com ela. Tiraram a foto e foram a correr para uma loja de impressões, voltando logo rápido para a sala onde estiveram uma hora ou duas dentro de um carro, a cortar e a dobrar as capas, e a montar tudo. Assim, no fim do concerto, podias ter um disco novo com uma foto tirada praí 4 horas antes! Assim conseguímos ter uma data de pessoal fixe na capa da edição limitada.

E sim, vendemos umas 150 cópias nesse concerto. Pelo que sei já há menos de 100 cópias em vinil preto a esta altura. As reacções não foram menos que boas, tenho de admitir. A cena hardcore polaca apoiou-nos muito e só podemos estar felizes por poder fazer parte dela. No que diz respeito ao pouco pessoal estrangeiro que ouviu o disco - as reacções têm sido igualmente boas.

 
Foto da capa da edição limitada © Lukasz Popielarczyk

Eu já tinha ouvido falar em algumas coisas relacionadas com a Ratel Records e sabia que a Polónia era já um dos destinos habituais de bandas estrangeiras em tour, mas após alguma investigação sobre o país, descobri que as coisas aí parecem estar a ganhar força, com várias editoras, bandas novas a aparecer e público entusiasta. Para alguém de fora, como é que descreverias a cena polaca, os seus prós e contras, e o que é achas que faz com que esse seja um lugar do caraças para se estar se és do hardcore.

É verdade, as coisas estão mesmo a funcionar bem aqui, a cena está a florescer. Eu estou a adorar isto. Mencionar a Ratel Records/Crew (e eu sei que eles adorariam que os chamásses de gang também) faz sentido. Tenho de admitir que me senti, e ainda sinto, bastante inspirado pelo que eles criaram nos últimos 2-4 anos. Eles estão apenas a fazer a cena deles, têm a banda, marcam concertos, zines, divertiram-se e os míudos que viram isso inspiraram-se neles. É aquilo que se chama o efeito bola de neve. Há tanto miúdo novo porreiro que viajam para ir aos concertos e ficam malucos. As bandas locais têm mais reconhecimento do que era habitual. Os miúdos não têm medo de falar.

Há tantas fanzines - se há um concerto podes ter a certeza que vai haver lá zines novas, sejam apenas oito páginas com colunas e ideias soltas, como calhamáços grossos, cheios de entrevistas e tudo o mais. Os miúdos importam-se e sabem o que é que se passa. Eles amam o hardcore, ajudam-se uns aos outros e tentam fazer algo com as suas vidas. E é uma cena bem diversa, também. Tens malta dos 80's, 90's, NYHC, metal, qualquer que seja a inspiração, estão lá.

A sério, há malta que culpa a Internet pelas piores cenas. Para mim, foi graças à Internet que as coisas melhoraram. Melhor comunicação, mais acesso à informação e à música. E não sei, mas acho que mais consciência. Os miúdos estão mais conscientes hoje em dia. E alguns deles são umas personagens bem maradas, nunca há momentos aborrecidos, e isso é outra das razões por que adoro tanto isto. Claro que isto não acontece em todas as cidades, mas na maioria dos concertos a que fui no último ano, saí de lá com um grande sorriso na cara. Eles sentiam o hardcore.

Ok, altura para a lista de nomes: Outbound, Reality Check, Desperate Times, Calm The Fire, Last Dayz, Government Flu, Slip, Identity, Thug Life, Hard To Breathe, Work For It, Fight Them All, Good Looking Out, Moral Breach, Cast In Iron, Burst In, Last Warning Records, Elephant Skin Records, Ratel Records...

E tu tens tanto adolescentes como malta com mais de 30 anos nos mesmos concertos, é uma mistura bem fixe.

Qual a importância da política na cena polaca? Sempre que vejo vídeos de concertos aí, existem quase sempre panos com slogans anti-fascistas e cenas assim. Os fascistas e neo-nazis são um grande problema na Polónia e na cena polaca? Nas democracias mais antigas, a cena hardcore tende a ficar mais despolitizada, às vezes esquecendo um bocado o papel de consciêncialização social e política, de ser mais que música. Provavelmente o contexto social e económico têm aqui alguma influência...

Eu acho que os míudos polacos são muito espertos. Eles sabem as coisas, têm as suas ideias próprias e são bastantes activos a expressá-las. Mas eu cá não gosto de chamar-lhe de "política". A política é a manipulação das pessoas, obrigando-as a tomar partido de lados. É a existência de um conjunto de ideias que te obrigam a ser de esquerda ou de direita, ou o que seja. Isto para mim é um conceito datado. E fico feliz por ver que as pessoas já não alinham nesse esquema. Elas são elas próprias, e estão ocupadas a fazer coisas fixes. Tens aqui laços tão fortes à volta da música que nenhum partido político conseguiria sonhar.

A maioria dos miúdos que conheço nos concertos estão agora a entrar na fria vida adulta - tu sabes, emprego, hipotecas, filhos e eles têm tantas dúvidas e ansiedade em relação ao futuro. E eu consigo ver que por causa disso, eles apreciam o hardcore e os outros ainda mais. E acredito que todos os obstáculos na vida fazem-nos procurar por algo mais do que aquilo que lhes é oferecido quer pela política maistream como pela mais underground. É daqui que as coisas vêm - quando buscas algo e encontras pessoas que estão na mesma busca que tu.

E quanto mais malta estiver contigo, melhores coisas se alcançam, mais radiantes ficam - e assim, os miúdos frustrados encontram alguém a quem se juntar e ficam a saber que há uma forma de enfrentar os problemas sem ser juntando-se a alguns atrasados mentais amantes de Hitler.

© KEEPTHEMOMENT.COM

A banda já tem alguns planos para o futuro que nos possas ir adiantando? Conheço alguma malta aqui nesta ponta da Europa que adorava ter-vos por cá...

Com o nosso dia-a-dia é complicado tocar muito. É tipo gravamos, lançamos a cena cá para fora, tocamos uma data de shows e voltamos ao coma durante uns meses. E nós curtimos a cena assim, estamos sempre frescos e é sempre emocionante quando voltamos à actividade. Vamos voar até à Suécia em Outubro para tocar três shows, estamos bastantes excitados para esta viagem. Para além disso não temos nada marcado ou confirmado, mas temos esperança em ter mais três dias a tocar na Polónia em 2012.

Se há malta a querer-nos ver, nós adoraríamos estar lá, a cena é que só podemos fazer viagens curtas. Mas nunca se sabe. Lembra-te que isto era suposto ser uma banda de um só concerto...

Tens algum pensamento final que gostásses de partilhar com o pessoal? Estás igualmente à vontade para mandar algum abraço ou promover a banda.


O hardcore espanta-me constantemente com a quantidade de pessoal fixe que consegue juntar. Todos os anos conheço malta nova que são todas elas pessoas únicas. E eu adoro quando elas se inspiram com o hardcore e trazem essa inspiração para o seu dia-a-dia. É fantástico ver como consegues construir algo a partir do zero, aprendendo e progredindo e que quando dás por ti ela é tão grande que o resto do mundo não a consegue ignorar. Tipo tu entras nesta música maluca e aprendes que podes ter uma vida bem melhor, e sem crueldade e por isso tornas-te vegetariano. E então as pessoas que estão no teu círculo, no trabalho, na tua escola, na tua família olham para ti como uma fonte de inspiração. É esse o poder de cada um de nós, the power of one".

Certifiquem-se que não perdem as melhores fanzines como a It's The Limit, a It's Just a Phase ou a Law & Order. Boas leituras, sem dúvida vão fazer-vos querer fazer algo. Alguns discos que não podem perder são o novo disco de Desperate Times "Hard Target" 7", Outbound "Far Away" 7" e a compilação de hardcore polaco "Very Cool, Very Core" 7".

Obrigado Tiago!

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