terça-feira, 25 de setembro de 2012

À Conversa Com: João Fonseca (ou PZ, para os amigos) - Parte I

Quem não conhece o PZ? Mesmo do ir na rua em Londres e à toa ouvir alguém chamar por ele - that famous. Anyway, o PZ mandou-se para a Palestina num estágio de alguns meses e decidiu ir mantendo um diário enquanto lá estava. Gostamos disso? Adoramos isso. Pessoas que escrevem sobre as suas viagens e aventuras são bué mais fixes (dica!). Piadas aparte, desse diário resultou um livro que está agora agendado para - finalmente - ver a luz do dia. Achei por bem conversar um pouco com ele para vos deixar tão excitados como eu para este lançamento! Siga aí...


PZ, antes de mais, os meus parabéns pelo lançamento do livro - sei que não é um processo fácil e espero que o pessoal aprecie o teu trabalho. A primeira pergunta que quero fazer é talvez a mais óbvia para quem não te conhecer: como é que foste parar a Israel? Fala-me um pouco do processo, da decisão e da expectativa que tinhas antes de ir.

Hey! Obrigado! De facto não é nada fácil... Por momentos pensei que estava na faculdade de novo a escrever a tese de mestrado, mas desta vez sobre um tema que curtia e com uma motivação muito maior. Vamos lá começar por separar as coisas. Eu fui para a Palestina, não fui para Israel. Está bem que para efeitos legais é um só país, mas na minha cabeça gosto de manter presente a separação. Através da faculdade candidatei-me a uns estágios (programa IAESTE) onde te mandam durante dois ou três meses para uma empresa no estrangeiro para teres uma experiência de trabalho. Era o terceiro ano que me candidatava, sendo que nos dois anteriores tinha ficado de fora. Como tal, nem olhei muito para as opções e candidatei-me a todas.

Não tinha feito Erasmus porque não tinha médias por isso o que eu queria mesmo era ir para algum lado, qualquer lado. Fui à reunião de atribuição de estágios sem muitas esperanças, mas para meu espanto quase ninguém se tinha candidatado ao estágio na Palestina e tinha sido eu o colocado. Lembro-me de telefonar de imediato à minha mãe a dar a notícia e a reacção dela foi mais ou menos a minha: "Er... OK...". Confesso que não sabia muito bem o que esperar, mas tive bastante tempo para me inteirar da realidade da região e estudar muito bem aquilo a que ia visto que só partia daí a seis meses. No entanto, antes de ir parece que nada do que tenhas lido, nenhuma informação que obtiveste parece suficiente para te preparar para uma ida a um país destes. 

Primeiro a informação que encontras é escassa e muitas vezes não te diz o que queres realmente saber. Segundo, ir para um país onde tão depressa está tudo bem como está tudo mal adiciona uns pós de ansiedade à coisa. Tudo o que li deu-me motivações extra para ir mas também me foi deixando cada vez mais ansioso. Em Londres, dias antes de partir pudeste confirmar o meu estado de espírito, ao mesmo tempo que sabia mais ou menos ao que ia era impossível prever o que estava para vir.

E, antes de ir, sentiste algum tipo de receio em relação à tua segurança? Ou achaste que, embora a situação do país fosse instável, tu estarias provavelmente num sítio seguro o suficiente? Outra coisa que me deixa curioso é o tipo de alojamento que te foi oferecido, sabias de antemão o que ia ser ou foi uma surpresa?

Ninguém vai para a Palestina sem pelo menos um mínimo de insegurança dentro de si. Nem que seja apenas o receio de não ser aceite à entrada em Israel pelo simples facto de ir para a Palestina. Muito devido às notícias que li na internet diariamente num site que descobri apenas referente ao Médio Oriente fiquei progressivamente mais inseguro. Isto porque Nablus (a cidade para onde fui) é uma das cidades mais problemáticas na Palestina, ou pelo menos os seus arredores. Constantemente lia notícias sobre settlers que atacaram aldeias ao pé de Nablus, pegaram fogo a oliveiras, mataram um ou outro, coisas do género. Apenas quando cheguei percebi que dentro da cidade estaria seguro porque os settlers nunca se atreveriam a entrar mesmo na cidade, mas é verdade que os arredores de Nablus são massacrados constantemente.

No entanto, apesar da segurança relativa dentro da cidade, posso dizer que passei os dois meses moderadamente com o rabo entre as pernas. Não deixei de fazer nada que quisesse fazer por isso, mas a insegurança esteve sempre lá. O alojamento foi-me fornecido pela faculdade e tudo o que sabia era que ia ficar num apartamento deles a viver com pessoal internacional. Ponto final. Não me disseram nem mais uma palavra, se era longe, se era perto, se partilhava quarto ou não, nada.

Era um apartamento pequeno, com quatro quartos, uma cozinha, duas casas de banho e uma sala/corredor. Fiquei no quarto maior, que era mesmo grande e tinha três camas, um frigorífico que não funcionava e um armário com três portas e autocolantes de mesquitas. Quando cheguei viviam lá um inglês e um norte americano que se tornaram grandes amigos meus, sendo que mais a meio do estágio foi para lá um belga, igualmente boa onda. O apartamento era mau e estava sempre a haver algum problema com qualquer coisa, ora o sistema de aquecimento de água do duche que dava choques, ora o frigorífico que quase pegava fogo, passando pela máquina de lavar roupa que nos inundou a casa umas quantas vezes e o autoclismo que se descolou da parede. Se tivesse passado dois meses na Palestina sem sair daquela casa tinha sido aventura suficiente.

Bem, medonho é pouco. Imagino a primeira reacção que tiveste ao ver isso, ahah. Tu antes de ir já tinhas feito alguns planos de viajar dentro do país ou pensavas ir só numa de ficar lá a cumprir o estágio e aproveitar para conhecer a cidade? O teu espírito aventureiro não estava com curiosidade para o que pudesse haver para além de Nablus?

Comecei a fazer planos disso mal soube para onde ia e mal percebi que seria relativamente seguro viajar para certas cidades. Nunca me passou pela cabeça ir à Faixa de Gaza (até porque não se pode, é preciso uma autorização especial que pelo que me chegou aos ouvidos não é nada fácil de obter) e tirando isso a Palestina acaba por ser segura para turistas. Os problemas são sempre mais para os palestinianos e não para estrangeiros. A cidade de Nablus também é pequena, por isso em dois meses ia ter mais que tempo para a ver na totalidade. Tive a sorte de conhecer logo de início um bom grupo de malta internacional com quem acabei por combinar muitas viagens a cidades Palestinianas e uma grande viagem de uma semana à Jordânia, a aproveitar um feriado que se atravessou no estágio.

Seria impensável para mim ir ali para tão perto e não ir a Petra, um dos destinos turísticos que me estava "entalado" desde miúdo, por causa do filme do Indiana Jones. Para além de Petra consegui ir à capital Amman e ao deserto de Wadi Rum, onde viveu o Lawrence of Arabia (vi a casa dele e tudo). Em Israel visitei Eilat, Tel Aviv e Jerusalém. Na Palestina consegui ir a todas as cidades que fazia questão: Bethlehem, Hebron, Jericho, Ramallah, com uma passagem obrigatória no Mar Morto. Como podes ver, espírito aventureiro foi o que não faltou.


Como foram os primeiros tempos por lá? Quais foram as maiores diferenças culturais que encontraste e quão difícil foi para ti adaptares-te a elas?

A minha primeira impressão foi "onde é que eu me vim meter"... As ruas eram um caos de gente e carros a buzinar, sempre com trânsito. O sistema de transportes era baseado num sistema de táxis partilhados. As compras eram feitas em pequenas mercearias e mercados de rua. As mulheres andam tapadas e os homens fumam chicha na rua. Houve muita informação diferente a entrar na minha cabeça ao mesmo tempo e eu fui absorvendo tudo. Aos poucos fui percebendo como as coisas funcionavam, aprendi um par de palavras em árabe que me ajudavam a apanhar o táxi para onde queria e coisas do género. Acho que me adaptei bastante bem e bastante rápido à realidade palestiniana, pensei que fosse mais difícil.

Uma coisa que me surpreendeu bastante é que qualquer café de merda, qualquer mercearia, qualquer loja, tem wireless. Acabas por ter mais redes disponíveis do que na Europa, mas o sinal é tão fraco que abrir um email pode demorar 5 minutos. Outra coisa a que tive de me habituar foram as seis rezas diárias. Tinha uma mesquita a pouco mais de 50 metros da minha casa. Para quem não sabe, as rezas são cantadas/gritadas e difundidas através de altifalantes colocados nos minaretes das mesquitas. Uma das rezas é mais ou menos às 4 da manhã... durante a primeira semana acordava sempre sobressaltado e em estado de pânico, não sabia o que estava a acontecer. Depois da primeira semana já nem sequer dava por eles.

Olha, eu acho que se me pusessem a ouvir cânticos às 4 da manhã era deportado no dia seguinte por pegar fogo a uma mesquita, ahah. Como era a tua rotina enquanto lá estiveste? De que é que consistia o teu estágio e que tipo de trabalho tiveste que fazer? 

Agora lembrei-me de um episódio fixe em relação aos cânticos em que tive a pouco de fazer o que disseste. Como é óbvio nem todos os muçulmanos acordam a essa hora para fazer a reza, nem mesmo o "padre" (não sei o nome que eles dão ao gajo que dá a reza). Uma madrugada, nessa reza das quatro da manhã, o CD que eles deixaram para debitar a reza encravou e ficou na boa uns 20 minutos a fazer scratch até que alguém o fosse tirar... a sério, desesperante. Outra coisa que eu me lembrei foi a ideia que tive de ir lá à socapa e trocar o CD por Black Flag ou assim, mas nunca consegui concretizar.

Fui trabalhar numa obra de um novo hospital como engenheiro de fiscalização. Para teres uma ideia, no dia em que cheguei à obra o meu patrão nem me conhecia. Durante os dois meses a única cena de relevo que fiz foi um relatório sobre uma viga principal que cedeu, propus uma solução e fiz um relatório fotográfico sobre isso. Nada de mais portanto. A minha rotina consistia em acordar por volta das 8h, ir para o hospital das 9h as 15h (horário brutal) e estava feito. Depois disso ia combinando coisas com os meus amigos internacionais para as tardes e noites. Nos fins de semana era quase certo sair sempre de Nablus.

Portanto, até certo ponto, mais que um estágio, foram umas belíssimas férias, não? Só tenho a dizer: granda onda! Lá também havia aquele filme do fim-de-semana ser às sextas e sábados, não era? Tiveste dificuldade em ir ao Facebook aos domingos e ver a malta toda a anhar à espera de segunda-feira ou não te fez muita diferença a mudança? Já agora, a que se deve isso? Suponho que tenha a ver com motivos religiosos.

Nem mais! Foram umas férias bem merecidas, porque tinha acabado de entregar a tese de mestrado quando fui. Foram bem mais umas férias do que um estágio. Sim, o fim-de-semana lá também é às sextas e sábados. Sexta é o grande dia de reza para os muçulmanos, por isso nesse dia folgam sempre. Há países onde o fim de semana é quinta e sexta, outros onde é sexta e sábado. Ao início foi um bocadinho estranho mas dois ou três fins de semana depois já nem notava. Aqui na Argélia é a mesma coisa e já é totalmente normal. Acho que a família e amigos demoram mais a habituar-se do que eu. O que é mais chato é que às vezes não posso ver a bola ao domingo à tarde porque estou a trabalhar, mas pronto. Isso de ir ao Facebook e ver a malta a anhar ao domingo não me fez confusão porque era exactamente o que eu estava a fazer no trabalho também, ahah.


Esta é a primeira parte de três, a próxima sai na próxima semana - fiquem atentos! Entretanto, se quiserem encomendar o livro, podem fazê-lo aqui, e já agora, adicionem a página de lançamento no Facebook aqui. Não, não vai haver nenhum lançamento físico, mas a partir desse dia já vai estar no correio a caminho das vossas mãos! Não durmam! 

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