terça-feira, 16 de outubro de 2012

À Conversa Com... Joana Duarte

Acho que ainda não estava escrito em lado nenhum, por isso vou escrevê-lo eu: a Joana é provavelmente a miúda mais activa que a nossa cena hardcore viu na última década de picos. Desde marcar concertos, a fazer zines, gerir distros e editoras e - mais importantemente - marcar sempre presença, ela já fez um pouco de tudo. Para além disso (e de ser cientista!) é uma das pessoas mais doces e dedicadas que eu conheço - dentro e fora do hardcore. Pena que não haja mais como ela - o mundo seria certamente um sítio melhor.


Há bué memórias de "back in the day" que dificilmente irei esquecer (por um motivo ou por outro), uma delas é estar contigo à conversa na Kasa Okupada da Praça de Espanha. Eu tinha sorte, porque morava quase mesmo lá ao lado mas tu, se a memória não me falha, nessa altura não só não vivias em Lisboa (longe de), como ainda não tinhas carro. Como era, há doze anos atrás, ser miúda, não ser de Lisboa, e mesmo assim ainda vir a concertos?

Fogo nem parece que foi assim há tanto tempo e nem acredito que já lá vão 12 anos! É bom relembrar esses tempos! Bom nem sempre os concertos eram só em Lisboa... Haviam alguns concertos em Salvaterra e em Vila Franca. Renewal e Shoal tocaram em Vila Franca, Omited ía muito a Salvaterra, bem como algumas bandas da margem sul, e ir para esses lados era mais fácil, lá ía de boleia com os amigos de samora, o pessoal de nine fingers left, entre outros. Mas pronto, a maior parte dos bons concertos eram em Lisboa e não era nada fácil!

Fazíamos granda ginástica para apanhar o comboio e metro, e principalmente porque muitas vezes com os atrasos dos concertos na Kasa Okupada, aquilo já começava tão tarde, que víamos a primeira banda e tínhamos de bazar a correr para apanhar o último comboio para Vila Franca que era lá pa meia noite! Era uma frustração! Mas pronto lá dava para ir vendo as bandas que adorávamos! Às vezes apanhava boleia com pessoal de Alhandra e depois íamos de taxi para Samora, outras vezes ficava a dormir em casa de amigas em Lisboa...Enfim, esquemas para poder ir ao máximo de concertos possível. Sabes que naquela altura e com aquela idade nada era difícil e estávamos dispostos a tudo!

Sim, isso é verdade. Claro que não haver tanta variedade como há hoje fazia com que as opções fossem muito menores. Ou era aquilo ou não era nada. Tu sempre foste uma miúda muito activa e determinada (pelo menos desde que te conheço), em que altura é que te começaste a dar com as miúdas da Sisterhood e, efectivamente, te juntaste ao grupo?

Bom, na realidade ainda levou algum tempo a conhecer as miúdas da Sisterhood, deixa-me cá fazer contas... Inicialmente ainda lancei duas fanzines minhas que fiz sozinha, a HappyxDays, que só saíram praí 20 cópias que vendi ainda na fase da Kasa Okupada e depois a XunikaX (que era o meu nick do mIRC, lol), 100 cópias que até saíram bem. Se bem me lembro esta última fanzine saiu por volta de 2003, por isso só depois dessa altura é que me juntei à Sisterhood! Até então só me dava com pessoal do Algarve, o pessoal de Pointing Finger e contigo e com o Filipe! Ahaha, bons tempos! Como estava sempre com Pointing Finger, a Duda, a Sofia e a Meg quando vieram falar comigo, disseram que se tinham lembrado de falar "com aquela miúda do algarve"; lá esclareci que não era bem do Algarve. Quando me falaram nisso até fiquei entusiasmada, sentia que era uma maneira de fazer as coisas que gostava e ambicionava fazer, tipo organizar concertos, fazer fanzines, mas com pessoas que partilhavam os meus ideais. Foi uma forma de me divertir e conhecer algumas pessoas que até hoje são minhas grandes amigas!

Claro! Como é que não me lembrei dessas fanzines! Isso por acaso deixa-me curioso em relação a outro assunto: de onde veio a tua motivação para fazeres as fanzines e que tópicos é que te lembras de abordar nelas? Eu acho que as fanzines são uma parte importante da cena e espero, através do blog, fazer com que haja um interesse renovado nelas.

Sim, o vosso blog é uma grande contribuição para o mundo das fanzines cibernéticas no hardcore português e acho que é uma iniciativa de louvar. Quanto a mim e à minha motivação, quando escrevi a primeira fanzine ainda era uma coisa muito verdinha, e saiu-me de uma forma muito natural, escrevi colunas pessoais sobre temas que me incomodavam na altura, alguns ainda muito actuais, como por exemplo as touradas (na altura foi quando foi montes de pessoal que nós conheciamos das manifs ao Prós e Contras), e o texto que escrevi abordou esse mesmo programa, fazendo um paralelismo com as discussões constantes que vivo lá em casa pelo facto de o meu pai ser um ribatejano de gema; teve também uma entrevista a Pointing Finger (por serem meus grandes amigos na altura), e até anedotas parvas a fanzine tinha ahah!

Depois a outra fanzine “XunikaX” surgiu noutro contexto... eu estava fora a estagiar, e escrever uma fanzine mantinha-me como que de alguma forma mais ligada à nossa cena! Escrevi alguns textos mais a título quase de reportagem, sobre a origem do punk e do hardcore, sobre a exploração e discriminação das mulheres nos países árabes e orientais, entre outros. Desta vez tive algumas participações nas colunas, e fiz uma entrevista ao Raycar, e já não sei se foi a Get Lost (o pessoal do Algarve sempre presente, eheh), tinha também reviews de álbuns, playlists, enfim... uma coisa assim mais profissional, mas sempre muito DIY cut & paste style que eu com layouts e coisas mais artísticas sou um granda zero! Depois com a sisterhood as fanzines já saíam assim uma coisa mais bonitinha e mais pensada...

Portanto tu passaste a fazer parte da Sisterhood antes de ires para o estágio (que, estou a supor, foi o de Paris)? Quanto tempo estiveste fora e como é que foi essa experiência? Sentiste falta da cena hardcore portuguesa ou aproveitaste para te integrar com a cena de lá? Que concertos viste?

Hmm, o timing foi diferente: Tive em Paris sim durante uns sete meses, espalhados entre 2003, 2004 e 2005. Portanto 2003 foi quando lancei a minha fanzine xunikax quando ainda não fazia parte da Sisterhood. Entretanto fui "recrutada" algures entre 2003 e 2004 penso! Nunca deu para sentir muitas saudades da cena de Portugal, porque o tempo que lá tive foi relativamente curto e muito distribuído, por isso ia dando para matar saudades de cá! Mesmo assim lembro-me que nessa altura em Lisboa haviam concertos com alguma frequência e lembro-me de ter ficado triste de falhar alguns concertos!
De qualquer forma ainda deu para ver alguns concertos em Paris mas nunca deu para me integrar muito bem na cena Parisiense. Aquilo lá era assim meio estranho, não havia concertos assim com tanta frequência, a cena new school era totalmente à parte e muito misturada com cenas freaks emo e a cena old school deles era assim meio misturada com a cena hip hop.. não me identificava muito com as pessoas e não interagi muito, ia sozinha e saía sozinha. Ainda fui ver Born From Pain com No Turning Back, quase na mesma altura em que tocaram também no Campo Grande, ao qual também fui!

Em 2004 fui a um reunion show de Good Clean Fun ("2004 reunion tour go!" como diz a letra, e assim foi) que por acaso acabou por não acontecer porque a bófia acabou com o concerto antes mesmo dele começar! Mas foi giro na mesma tivemos lá todos na conversa com o Issa, e depois eles ainda venderam algum merch! Foi também nessa altura que tive a tua visita, do Congas e do Pedro. Depois em 2005 não consegui apanhar mesmo nenhum concerto, mas também o tempo passou rápido! Adorei Paris! Nessa fase, em que fui chamada para a Sisterhood até foi bom, porque andava meio desanimada com uma distribuidora que tinha formado com o pessoal de Samora, e tinha dado granda buraco o nosso lançamento... e a Sisterhood veio dar-me alento e motivação para me continuar a dedicar à cena em Portugal!


Lembro-me dessa distribuidora! Até me lembro de um cliente que te pediu para guardares um disco praí durante... dois ou três anos! Que vergonha! Também me lembro de um concerto que organizaste com uma série de bandas (que, infelizmente, não correu muito bem) aí para os teus lados. É possível que sejas a miúda do hardcore mais activa de sempre na cena portuguesa, tens noção disso? Fala-me um pouco mais desse disco que lançaste e da distribuidora e dos concertos que marcaram. Tudo isto aconteceu enquanto estudavas, certo?

Ahah, André acho que estás a exagerar... nunca tive uma banda! Faltava me isso! Mas bom vamos lá por partes: essa distribuidora, a Hard To Break, durou pouco tempo, falimos rapidamente por causa do nosso primeiro lançamento, que na realidade era para ser Reconcile da Argentina, que eu adorava ter lançado, mas metemo-nos a lançar No More Fear de Itália (que acabaram logo depois do lançamento), porque já estava tudo mais ou menos tratado e era a meias com a Fields of Hope da Alemanha - mas quer-me parecer que nós pagámos o lançamento todo. Isso deixou me um bocado triste na altura e organizámos o Hard To Break Fest para recuperar o dinheiro (esse tal festival em Vila Franca que mencionaste). O festival foi com Omited Grass Reaction, New Winds, Pointing Finger, Get Lost, The Punchskulls e Over The Kitchen Table. Foram tipo 80 pessoas, mas numa sala em que cabiam 500... Fiquei desanimada, mas tenho a noção que a maioria das pessoas que apareceram em Vila Franca foi para me ajudar, e isso foi muito bom - sentir o apoio dos amigos. As bandas também tiveram grande atitude, era tudo pessoal com quem eu me dava muito bem e facilitaram-me a vida! Enfim, hardcore é hardcore.

Bem, nessa altura o David e o Valter do Algarve convidaram-me para me juntar à Take The Risk e as coisas encaminharam-se e até tivemos lançamentos muito bons: o split de Another Year com Death Is Not Glamorous, Rat attack, Broken Distance, e Reality Slap (o último lançamento da Take The Risk)! Foi uma fase muito boa da minha vida, ir em tour com Pointing Finger e Broken Distance, ficar na banca da Take the Risk, ver bandas que eu adorava, dormir na casa de novos amigos por toda a Europa, fazer quilómetros de uma ponta a outra da Alemanha a conduzir a carrinha com o pessoal a dizer merda lá atrás! Saudades...! Mas voltando atrás, sobre a Hard to Break não há muito a dizer, durou praí 2 anos essa distribuidora, depois juntei-me à Take The Risk em 2005 e aí sim foi a sério! Aliás a o disco a que te referes, suspeito que ainda está lá de parte para ti! Ahah!

Marcámos imensos concertos, principalmente no Algarve, claro que o David e o Valter quando era lá em baixo é que se mexiam pa fazer as cenas, eu ia lá ter ao fim de semana pa ajudar! Fizemos Go it Alone, Colligere, Allegiance... sei lá! Também fiz alguns concertos em Lisboa, mas não era só com a Take The Risk. Posso enumerar alguns que me venham à cabeça... organizei muitos com o Raycar (Cinder e Dick Cheney em Setúbal) e com a Sisterhood (o de Death Is Not Glamorous, ou o último de Pointing Finger em Lisboa, por exemplo), ou com a JustxDuet, que era eu e a Sofia (Fired Up e True Colors, que foi um granda concerto), ou até com o Rafa (o de The First Step em Linda-a-Velha).
Tudo isto aconteceu mais no final do meu curso, apanhou o estágio e a fase em que comecei a trabalhar! Mas era algo que sempre me deu imenso prazer, e apesar do meu trabalho exigir muito a nível intelectual e de tempo, sempre consegui arranjar tempo para o que me dava mais gozo! Entre umas coisas e outras imprimia uns cartazes, mandava emails pa fazer umas trocas da distro, ou ia à gráfica tratar das fanzines... também pus amigas minhas a cortar bilhetes e flyers, enfim quem me conhecia já sabia que eu andava sempre atarefada com essas coisas. Hoje em dia ainda tenho amigos meus que me perguntam: Então e os Nine Fingers Left? E os Fight For Change? E os Pointing Finger? Ahah!

Pois, a miúda mais activa da cena...! Eu sabia. Com ou sem banda. O que eu acho curioso é que tanto eu como tu, como outro monte de miúdos daquela altura, sempre arranjámos tempo para fazer as coisas e para apoiar - por cima do quer que fosse que nos ocupasse. Hoje em dia (embora não seja um problema de agora) noto que se dá menos valor ao "fazer" e ao "apreciar o que foi feito" - duas coisas fundamentais numa cena underground independente. Achas que a internet, de certa forma, adormeceu a vontade das pessoas com o fácil acesso ao mp3, aos vídeos em HD no YouTube e ao eBay? Achas que a cena está a ficar mais plástica, com miúdos mais plásticos - que, claramente, não percebem que são a engrenagem da nossa cultura? 

Bom, não gosto de dramatizar... a internet tem vantagens e desvantagens. Talvez a facilidade de acesso a tudo e mais alguma coisa, sacar o som e ver vídeos de todas as bandas e mais algumas acaba por desvalorizar um pouco aquilo que temos mais perto, porque as pessoas não sentem tanto a necessidade de ir aos concertos para adquirir demos e vinil a partir das distribuidoras, ou porque depois vemos as fotos e os vídeos do concerto na net. Da mesma forma acabamos por desvalorizar ou apoiar menos as bandas que nos rodeiam, porque o acesso às bandas de fora é igualmente imediato. Dantes havia aquela urgência de ir ao primeiro concerto das bandas comprar as demos, para ficarmos a conhecer as letras, e cantarmos tudo de uma ponta a outra no próximo concerto. Hoje a variedade que a internet nos oferece é tanta que aqueles que estão mais perto ficam para segundo ou terceiro plano. Por outro lado, claro que a internet tem muito de positivo, a facilidade de divulgação de concertos, álbuns, e desses mesmos mp3 que facilitam o conhecimento daquilo que é nosso lá fora de forma mais rápida.

Mas sem dúvida que o contacto directo com as bandas, e aquilo que elas lançam é essencial para manter vivo este espírito. O enviar de uma carta com uma mixtape para um amigo da Argentina com as bandas de cá, exigia mais esforço e tempo, mas era genuíno e envolvia uma paixão que hoje em dia já dificilmente se encontra alguém com paciência e disponibilidade para tal. Não posso falar muito porque de certa forma também me afastei mais das organizações de concertos, embora ainda vá fazendo umas coisas quando me apetece (por exemplo a Citylights), mas a minha disponibilidade e vontade de enterrar dinheiro em determinados projectos também já é mais limitada, e penso que é altura de outros irem assumindo esse lugar, já que este devia ser de certa forma rotativo. Admiro a vontade e dedicação daqueles dessa mesma altura que continuam a organizar e a fazer tudo e mais alguma coisa para manter isto de pé... é de louvar! Sei também que há muitos miúdos novos com vontade de se mexer, é como em tudo, há sempre aqueles que fazem tudo e os que não fazem nada é preciso é reconhecer isso e continuar a apoiar quem se mexe.

Joaninha, não te roubo mais tempo! Obrigado pela disponibilidade e espero que continuemos cá por muito mais anos - os que temos já ninguém nos rouba. Antes de me atirar para a edição da entrevista nos confins escuros do nosso HQ, fala-me só um pouco da City Lights (para quem não sabe o que é), onde pode ser adquirida (se ainda estiver disponível) e do teu gigante amor pelo Benfica - algo que eu obviamente não ia deixar passar em branco nesta conversa!

Ora essa Andrezito, é sempre bom conversar contigo! Obrigada eu por me teres em tal consideração de me pôr numa entrevista do teu blog. Foi bom relembrar os velhos tempos!

Ok, então vamos à Citylights! É uma fanzine que surgiu da minha necessidade e da Sofia, de estarmos juntas a fazer este tipo de coisas que adoramos. No entanto, como a nossa disponibilidade é mais limitada actualmente, os números não saem com nenhuma regularidade específica. Vão saindo dependendo do tempo que temos para nos juntar e dedicar à zine! Este é um projecto como tantos outros, sobre hardcore, e por vezes com outros temas associados, de coisas que gostamos de fazer.
Normalmente, há quatro rúbricas fixas o "Ganha Pão", que geralmente é algum amigo, alguém do hardcore, a falar da sua vida profissional e paralela; uma entrevista a alguém ou algum projecto que apoie o hardcore (4TheKids no #2 e Juicy Records no #1), uma entrevista a uma banda (No Good Reason no #1 e Critical Point no #2), e uma entrevista a alguém do antigamente (Mano Pedro no #1 e Zevimetal no #2). A partir daí todos os restantes conteúdos vão variando! Reviews de festivais, textos pessoais, contribuições de amigos e de quem quiser! O último número foi mais dedicado à bicicleta que é um tema que tem movido (literalmente, ahah) muita gente em Lisboa, e tem artigos sobre a Roda Gira, a Matilha Cycle Crew e a Camisola Amarela! That's it! Ainda temos alguns números do #2, que podem encomendar através do Facebook da citylights (http://www.facebook.com/citylights.fanzine), por email para citylights.fanzine@gmail.com ou comprar num concerto por aí! Aos interessados, a fanzine #1 pode ser lida online aqui.

Bom finalmente, quanto à minha grande paixão pelo Benfica, essa está no sangue desde pequenina! Sempre fui aos jogos com o meu pai, no tempo do Magnusson e do Schwartz, e do Valdo e do Isaías! Cheguei a chorar quando perdíamos... mas pronto já me deixei disso, ahah! Entretanto continuo a ir aos jogos, mas reconheço que sou menos fanática, mais ponderada! Tudo vem com a maturidade! Mas a propósito, costumo comparar os arrepios que sinto quando vou ao estádio a um bom concerto de hardcore. É paixão na mesma!

5 comentários:

  1. Adorei ler.
    Lembro-me bem desse concerto em VFX, foi prai das primeiras matinés que fui, na altura andava a ver as bancas de distros e o André ao meu lado diz-me: pá, o melhor cd que tá nessa banca é o de Renewal! e eu: fixe fixe, vou antes levar o de blacksunrise... obrigado André, tu tentaste!

    ResponderEliminar
  2. Excelente entrevista e boas memórias desse Prós e Contras sobre a tourada! Mas que granda tourada que foi eheheh

    Das entrevistas que mais gostei de ler!

    ResponderEliminar
  3. Samora Correia Power!

    Samora correia, hardcore na veia! ahahah

    ResponderEliminar