terça-feira, 2 de outubro de 2012

À Conversa Com... João Fonseca (ou PZ, para os amigos) - Parte II


Para quem anda a dormir debaixo de um calhau, na semana passada estive à conversa com o PZ por ocasião do lançamento do livro que ele escreveu sobre a experiência na Palestina. Esta é a segunda parte de três, mais focada na experiência propriamente dita. A terceira parte sai na próxima semana, mas não esperem até lá para encomendarem a vossa cópia... um passarinho disse-me que elas beberam Red Bull e têm tido asas - fica a dica, depois não pedinchem por mais.


Em relação à comida e aos hábitos alimentares, sentiste muita diferença com a mudança abrupta ou adaptaste-te rápido? Estou a supor que lá não haja bitoques nem frango assado nem coisas do género. Descobriste alguns sabores novos que te tenham agradado e que tenhas querido repetir depois de teres voltado?

Fogo comi cenas brutais! Como é óbvio, indo para outro destino tento sempre comer as coisas locais e ir para a Palestina não foi uma excepção. O problema às vezes era decorar os nomes do que comia... Comi sem qualquer dúvida os melhores falafels da vida (que a propósito custavam cerca de 60 cêntimos e eram carregados com tudo aquilo que quisésses em termos de vegetais, batatas fritas, eu sei lá...). Em todo o lado há kebabs, mas bem melhores que os que se comem na Europa. Lembro-me também de um sítio em Nablus onde comi umas azeitonas divinais, conseguia almoçar só dessas azeitonas. Fui convidado para almoçar na quinta de uma família palestiniana onde comi um almoço cozinhado pelas mulheres da casa (não lhes pus a vista em cima, nem sequer para agradecer).

Era uma travessa gigante de arroz com frango e montes de especiarias, com amendoins por cima e regado com iogurte. Essa é uma coisa que eles fazem muito, juntar iogurte natural aos pratos, ao início achei estranho mas dei por mim a fazer o mesmo em casa, ahah. Na Jordânia comi uma coisa do mesmo tipo numa tenda no meio do deserto, mas o nome mudava. Em Israel descobri uma coisa que se chamava Sabich que era boa demais: uma sandes com beringela frita, um ovo mal cozido (é bom!), batata frita e uma carrada de vegetais. Brutal mesmo! Gastronomicamente foi uma viagem muito gratificante. Acho que a principal diferença é mesmo não utilizarem carne de porco.

Como é que é a cidade em termos culturais? Existe muita influência americana ou europeia? Posso-te dizer que essa é uma das coisas que me desperta mais interesse nesse tipo de locais: perceber até que ponto estão afastados do nosso “primeiro mundo”. Longe de achar que isso é uma coisa negativa, acho que ajuda a manter a identidade das cidades e das pessoas. Como é o estilo de vida palestiniano em termos de diferentes classes sociais, hábitos culturais, etc.?

Bom, em termos culturais os países árabes estão ainda muito colados à religião muçulmana e não passa muito disso. Há um cinema em Nablus que passa filmes internacionais, mas os filmes chegam com mais de um ano de atraso. No entanto houve coisas que me surpreenderam, como por exemplo a banalidade da internet. Qualquer café, qualquer mercearia, qualquer estabelecimentozeco tem wireless! Normalmente sem password para toda a gente poder usar. É impressionante, acabas por ter mais facilidade em conectares-te à internet que na Europa. Outra coisa que não estava à espera é a influência que o futebol (principalmente o espanhol) tem nesta gente. Os palestinianos ou são do Real Madrid, ou são do Barcelona, não vêem mais nada à frente! Eu não cheguei a presenciar nenhum, mas contaram-me que quando há jogo entre as duas é certinho que vai haver pancada na cidade... é de loucos. Claro que mal dizia de onde era perguntavam-me se era amigo do Ronaldo. Claro, andei com ele na escola! Também achei genial haver cafés que passam a bola em streaming num plasma, lol. Basta dizer ao gajo que jogo queres ver e ele vai a procura de um stream na net e segue jogo.

Outra diferença cultural, que acaba por se prender também com a vertente religiosa, é o horário de trabalho. A hora de saída normalmente é as 15/16h no máximo, mas entram no trabalho por volta das 5:30 ou 6 da manhã. Isto porque a primeira reza é as 4 e tal da manhã, então já que estão acordados, porque não ir logo trabalhar? Veres gente na rua com um tapete no chão e a rezar não é de todo incomum. Lembrei-me agora também de outra coisa que me deixou intrigado: o meu patrão, engenheiro civil, um gajo com curso superior e que não era burro nenhum, não sabia o que eram low costs. Nem sequer sabia que se podiam marcar viagens de avião pela internet. Pensando um pouco, faz sentido. Ponto 1: a Palestina não tem aviões, muito menos aeroporto. Ponto 2: os Palestinianos não têm cartão de crédito, por isso não podem comprar nada na net.

É uma pergunta um bocado remota, mas foste a algum concerto - não necessariamente de hardcore - por lá? Existe alguma cena musical? Por outro lado, houve alguma banda que tenhas ouvido mais enquanto lá estiveste e que agora te vá sempre recordar do tempo que lá passaste?

Não fui a nenhum concerto. O único de que soube e que tinha mesmo vontade de ir era um de uma banda de hip hop palestiniano, mas calhou na altura da minha viagem à Jordânia por isso não deu. Amigos meus que foram disseram que foi bem fixe! Não há bandas de hardcore lá. Duvido mesmo que haja guitarras eléctricas... Não vi nenhuma loja de música ou algo do género. No entanto, em Israel fui a duas festas de dubstep que foram bem fixes, em duas noites consecutivas, uma em Tel Aviv e outra em Jerusalém. Epá, banda que tenha ouvido mais não houve nenhuma. E explico-te porquê: tenho um iPod de 160GB com cerca de 140 ocupados. Há cerca de uns dois anos e meio meti na cabeça que ia ouvir aquilo de uma ponta à outra, por ordem alfabética. E aqui estou eu, ainda na discografia do Snoop Dog. Chama-me louco.


Tinhas-me dito na primeira parte que fizeste algumas viagens, qual é que foi a gostaste mais e que repetirias sem piscar os olhos? Enquanto lá estiveste tiveste tempo para fazer GeoCaching e continuar a manter a tua posição de futuro gajo mais GeoCachado do mundo? Suponho que não tenhas dispensado o detector de metais, não te fosse sair uma surpresa bombástica!

Ahah, só fiz uma cache na Palestina, na cidade onde estava, e custou-me uma manhã inteira a subir a uma montanha, sozinho, de phones nos ouvidos (a ouvir o iPod de uma ponta à outra, tá claro!). Fiz mais três em Petra e mais umas quatro em Tel Aviv, por isso decaí muito no ranking dos gajos com mais caches do mundo, ahah. Hmm escolher uma viagem de todas as que fiz é difícil, todos os dois meses foram uma viagem e repetia-a na totalidade sem qualquer dúvida, de preferência com gente mais chegada porque quando viajas sozinho ou com gente que não conheces a sensação com que ficas é “fogo, curtia mesmo estar a partilhar isto com a minha malta”. Se tivesse de escolher apenas uma das viagens... a viagem à Jordânia. Foi uma semana brutal, que começou com dois dias em Jerusalém seguidos de um atravessar da Jordânia de sul para norte. Começámos por Wadi Rum, onde passámos uma noite no deserto, numa tenda na base de um rochedo gigante.

Vimos o nascer do sol no deserto e fizemos uma tour por Wadi Rum numa pick up a cair de podre. Vimos camelos selvagens, atravessámos uma ponte de rocha natural e bebemos chá com os beduínos. Seguiram-se dois dias em Petra, onde dei uma de Indiana Jones e andei a trepar calhaus para obter as melhores fotos. Um conselho de amigo: se alguma vez forem a Petra, nunca menos de dois dias. Passei lá dois dias das 9h às 17h e ficaram coisas por ver. Uma pessoa pensa em Petra e o que vem à cabeça é só o edifício do Tesouro, mas aquilo tem tanta coisa para ver para além disso... é um mundo! No hostel onde ficámos vimos o filme do Indiana Jones (na noite anterior ao primeiro dia em Petra), mesmo para aumentar a ansiedade! Depois disso, passámos dois dias na capital, Amman, que é gigante! Nunca pensei ficar tão surpreendido com o tamanho da cidade, mas se calhar era por estar habituado às pequenas cidades palestinianas. Tem um dos maiores teatros romanos que já vi e tivémos oportunidade de visitar uma mesquita que tem capacidade para 3000 pessoas. A volta à Palestina foi também uma grande aventura, mas deixo isso para quem ler o livro senão conto tudo aqui e depois não vendo nada, ahah.

E no que toca a aventuras, há alguma que mereça destaque? Chegaste a ver a tua vida a andar para trás alguma vez ou nem por isso? Até que ponto é que a Palestina é tão perigosa como a fazem parecer? Alguma vez sentiste que estavas a ser observado ou olhado de lado por não seres de lá?

Eu sinceramente não me senti inseguro quando estive por lá. Quer dizer, tens de andar sempre com 4 olhos (para além dos óculos) porque pode acontecer qualquer coisa a qualquer altura, mas acho que para nós internacionais é relativamente seguro. O maior problema é mesmo para eles, palestinianos. Nas fronteiras estão sempre tramados, são sujeitos a revistas atrás de revistas, nos checkpoints ficam horas às vezes, enfim. Quando passava um check point e mostrava o passaporte português raramente me levantaram problemas. Os palestinianos são muito acolhedores e quando percebem que és estrangeiro tratam-te muito bem (às vezes demoram a perceber, porque a nossa fisionomia portuguesa é muito parecida à deles, passamos facilmente por árabes). A maior desconfiança e olhares de lado vieram sempre dos israelitas. À vinda, no aeroporto, eu e as minhas malas fomos revistados durante mais de uma hora pelo simples facto de ter estado na Palestina... enfim... A única vez que vi a minha vida a andar para trás foi quando fui electrocutado no banho, logo no dia que cheguei. De resto, tudo tranquilo.


Não percam a terceira e última parte da entrevista na próxima terça-feira à mesma hora! Se não precisam de mais conversa para comprarem uma cópia, façam-no aqui (mas leiam a terceira parte à mesma, claro!). 

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